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No mundo atual, desvincular-se das mídias digitais é uma tarefa quase impossível. Elas desempenham um papel crucial no acesso à informação, moldando comportamentos e impulsionando causas. Contudo, nem sempre promovem práticas benéficas.

Quando pensamos na nossa relação com a fauna silvestre, também somos profundamente influenciados pelas plataformas digitais. E, infelizmente, certos tipos de conteúdo podem moldar comportamentos e gerar impactos negativos para a biodiversidade e a conservação das espécies. 

Estudos demonstram a influência de plataformas digitais, como o Facebook, WhatsApp e Instagram, no aumento do acesso à compra e venda ilegal de animais silvestres. Não é mais preciso ir a feiras livres ou regiões afastadas para conseguir uma espécie da fauna silvestre, até mesmo ameaçada de extinção. O alcance é agora tão simples quanto o toque de uma tela. 

Além disso, as redes sociais têm desempenhado outro tipo de impacto sobre a fauna, não sendo utilizadas somente como uma ferramenta de “compra e venda”, mas também influenciando no desejo de compra e normalizando situações como a privação da liberdade e dos comportamentos naturais, a exploração e a humanização da vida selvagem. Conteúdos “fofos” de animais agindo de maneira antropomorfizada — “falando”, “cantando”, “dançando”, ou vestindo roupas — e submissos ao controle humano, alimentam nosso egoísmo, levando ao aumento da demanda e, consequentemente, à retirada de animais de seu habitat natural. 

Para melhorar a experiência do usuário, as plataformas digitais desenvolvem algoritmos que respondem de acordo com o seu engajamento, priorizando ou ocultando conteúdos a partir de características do consumo de cada indivíduo. Portanto, quando engajamos com postagens de animais silvestres como pets ou humanizados, mesmo não tendo o desejo de compra, contribuímos para o aumento da visibilidade e normalização da exploração animal! Dessa forma, tal engajamento aumenta o “valor comercial” de certas espécies, resulta na monetização de tutores de ” pets exóticos” e faz com que esse tipo de conteúdo alcance mais e mais pessoas, carregando em si a mensagem errada. Trata-se de um ciclo que precisa ser quebrado! 

Como não achar fofo um filhote de leão sendo alimentado no colo, com uma mamadeira? Ou um filhote de macaco, tomando banho em uma banheira de espuma? Nos sentimos muito mais atraídos, infelizmente, por conteúdos que romantizam e distorcem a verdadeira natureza de uma espécie selvagem. Perfis no Instagram de macacos-prego vivendo como pets, por exemplo, podem acumular milhões de seguidores. Em estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, publicado em 2023, constatou-se que 71% de vídeos analisados no Youtube de macacos-prego, que ultrapassaram 1 milhão de visualizações, corresponde a publicações da espécie sendo tratada como pet, e os vídeos com mais engajamentos no Instagram também correspondem à exposição da espécie antropomorfizada ou em interações com humanos. Outro estudo analisou os sentimentos dos comentários em conteúdos de felinos silvestres e primatas expostos como pets no YouTube, sendo “fofo”, “amável” e “gostar” os principais sentimentos encontrados. Tais análises evidenciam a influência negativa desses conteúdos: priorizamos nosso desejo de posse em detrimento da liberdade e respeito à vida selvagem. 

Dessa forma, conteúdos que humanizam animais silvestres ou os expõem como pets contribuem, também, para a deturpação do bem-estar animal. Aquele “sorriso” de um macaco, ou “dancinha” de uma ave, são, na verdade, comportamentos muitas vezes associados a estresse. Mas na visão de um “follower”, tudo é apenas um entretenimento efêmero, perpetuando um ciclo de privação de comportamentos naturais e sofrimento animal, que duram uma vida inteira. 

Outros exemplos ao redor do mundo também já foram descritos em publicações científicas e corroboram com os impactos da exposição de animais silvestres humanizados ou como pets nas mídias digitais, no aumento do desejo de compra, na demanda e na distorção de percepções de bem-estar, conservação etc.: 

  1. Na Turquia, postagens de celebridades e turistas posando com slow loris (Nycticebus spp.) em destinos turísticos estão diretamente associados ao aumento da exploração turística do animal e a condições de maus-tratos e sofrimento animal. 
  2. Estudo analisando conteúdos virais no Twitter com um indivíduo de lêmure (Lemur catta ) de Madagascar criado como pet, averiguou que existe uma relação direta entre a quantidade de engajamento, com a quantidade de referências ao desejo de compra da espécie.
  3. A exposição de chimpanzés em publicações que humanizam suas características pode influenciar até mesmo na percepção do público em relação ao estado de conservação da espécie, fazendo com que mais pessoas acreditem que a espécie não esteja ameaçada de extinção.
  4. Segundo pesquisa, a busca por galagos (primata originário do continente africano) e a exportação desse animal mundo afora acompanhou o aumento de conteúdos do Tik Tok e Instagram que expõem o animal como pet e 95% dos comentários nas publicações analisadas validam a situação de domesticação desses animais. Além disso, as condições as quais os animais eram submetidos nas postagens contradiziam as indicações de cuidados e bem-estar com os indivíduos expostos.

Por isso, é preciso mudar o nosso comportamento em relação ao que consumimos nas redes sociais e pressionar por mudanças nas políticas de uso e guidelines das principais mídias digitais. Precisamos ajudar a impulsionar conteúdos de animais livres, em seus habitats naturais, interagindo com outras espécies silvestres e exibindo seus comportamentos selvagens, em detrimento de publicações de animais silvestres como pets. 

Precisamos entender que não engajar em conteúdos de animais humanizados é proteger a vida selvagem como ela é. 

O Instituto Ampara Animal lançou neste mês de março a campanha “Algoritmo Selvagem Reset”, que aborda esta importante temática. A campanha busca o despertar da sociedade sobre o tema e o reset de uma das maiores plataformas digitais da atualidade, o Instagram. Através de passos simples, é possível reeducar o algoritmo da sua plataforma, para que diminua o engajamento e distribuição de conteúdos nocivos à fauna.  

Todos nós temos um papel a desempenhar na sociedade e na proteção da biodiversidade, sendo responsáveis também pelo que consumimos online. As consequências de nossas escolhas digitais são diretas e significativas, tanto para a fauna quanto para o combate ao tráfico de animais. Pequenas mudanças em nossos hábitos podem fazer uma grande diferença. 

Por trás de cada conteúdo “fofo” de um animal interagindo como pet, existe uma história de privação e uma vida que não poderá exercer o seu papel natural. E por traz de cada “like” nesse tipo de conteúdo, você está incentivando a demanda de “pets exóticos” e, portanto, influenciando na retirada de animais silvestres da natureza. 

Neste Dia Nacional dos Animais, vamos, então, alterar nosso consumo nas mídias digitais e lutar contra o tráfico de animais? Animais silvestres não são pets e, juntos, podemos fazer a diferença pela biodiversidade! Proteja a fauna silvestre também nas redes sociais. 

 

 

Referências bibliográficas: 

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Instagram-fuelled illegal slow loris trade uncovered in Marmaris, Turkey 

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https://www.nationalgeographic.com/animals/article/tik-tok-famous-animals-axolotl-capybara-black-widow-spider