O tráfico de animais silvestres é uma das práticas criminosas que mais movimenta dinheiro no mundo, e representa uma ameaça preocupante para a perda da biodiversidade global. No meio político, diversas discussões e medidas que acontecem há anos, trouxeram alguns avanços no combate a esse tipo de crime, mas ainda falta avançarmos muito no tema.
Nesse texto, exploramos os aspectos nacionais e internacionais das legislações e tratados entre países, exemplificando dentro do campo legislativo como o cenário do combate ao tráfico de animais silvestres está.
Antes de fazermos um recorte para o Brasil, é necessário entender como este tema está situado internacionalmente.
Legislação e convenções internacionais sobre o tráfico de animais silvestres
No âmbito internacional, vários acordos e convenções têm sido estabelecidos para combater o tráfico de animais silvestres. A Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Extinção (CITES) é a mais conhecida e relevante atualmente.
É um acordo internacional que visa regular o comércio internacional de plantas e animais selvagens, com o objetivo principal de proteger espécies ameaçadas de extinção. Adotada em 1973, a CITES estabelece listas que classificam as espécies em três apêndices, determinando os níveis de proteção e controle para o seu comércio. A convenção desempenha um papel crucial na conservação da biodiversidade, promovendo o uso sustentável dos recursos naturais e evitando a exploração descontrolada de espécies em risco. Suas funções incluem a regulamentação do comércio internacional, a promoção da cooperação entre os países signatários e a implementação de medidas para combater o tráfico ilegal de fauna e flora.
A CITES protege aproximadamente 5.950 espécies animais e 32.800 espécies de plantas em todo o mundo, agrupadas em três anexos.
O Decreto nº 3.607, de 21 de setembro de 2000 estabelece quais espécies estão em cada anexo sendo:
- Anexo I: são consideradas ameaçadas de extinção
- Anexo II: espécies que, embora atualmente não se encontrem necessariamente em perigo de extinção, poderão chegar a esta situação, a menos que o comércio de espécimes esteja sujeito a regulamentação rigorosa.
- Anexo III: espécies que foram incluídas à lista por solicitação direta do país onde sua exploração necessita ser restrita ou impedida e que requer a cooperação em seu controle internacional.
Apesar de ser o principal arcabouço internacional para controlar o comércio de espécies silvestres, a CITES apresenta limitações. A lista, com cerca de 38.700 espécies, não inclui todas as ameaçadas, permitindo que espécies não listadas sejam comercializadas mais facilmente, favorecendo atividades irregulares. Embora a CITES tenha como objetivo o uso sustentável da biodiversidade, ela é o arcabouço legal do comércio internacional de animais selvagens, e diversos animais são extraídos da natureza e comercializados legalmente sem quaisquer cuidados de bem-estar, gerando impactos negativos à biodiversidade. Em alguns casos a presença do comércio legalizado favorece atividades ilegais, como os casos reconhecidos de lontras asiáticas, papagaios-do-congo, araras e serpentes como a píton-bola.
No Brasil, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) incorporou no ano de 2000 as diretrizes da CITES em seus procedimentos de emissão de licenças de exportação/importação, classificando as espécies de acordo com o grau de ameaça.
No site do IBAMA estão listadas as legislações relacionadas à proteção contra o comércio ilegal de biodiversidade:
Portaria Ibama nº 93, de 7 de julho de 1998 | Normatiza a importação e a exportação de espécimes vivos, produtos e subprodutos da fauna silvestre brasileira e da fauna silvestre exótica. |
Instrução Normativa Ibama nº 140, de 18 de dezembro de 2006 | Institui o serviço de solicitação e emissão de licenças do Ibama para a importação, exportação e reexportação de espécimes, produtos e subprodutos da fauna e flora silvestre brasileira, e da fauna e flora exótica, constantes ou não nos anexos da Convenção Internacional sobre o Comércio das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites). |
Decreto nº 3.607, de 21 de setembro de 2000 | Dispõe sobre a implementação da Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites), e dá outras providências. |
Instrução Normativa nº 8, de 25 de março de 2022 | Estabelece os procedimentos para autorização de exportação de produtos e subprodutos madeireiros de espécies nativas oriundos de florestas naturais ou plantadas, visando a complementar, relativamente ao controle de exportação de cargas de madeira nativa no âmbito do Ibama, a Instrução Normativa nº 21, de 24 de dezembro de 2014, a Instrução Normativa nº 17, de 1º de dezembro de 2021, e a Portaria nº 8, de 3 de janeiro de 2022. Dispensa de análise de impacto regulatório (AIR) – Nota Técnica nº 3/2022/CGMOC/DBFLO |
Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 | Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. |
Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011 | Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981. |
Portaria Interministerial nº 812, de 29 de setembro de 2015 | Atualiza monetariamente os preços dos serviços e produtos e a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama relacionados no Anexo e no Anexo IX da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. |
Orientação Jurídica Normativa – OJN nº 04/2009: Natureza jurídica dos valores cobrados com suporte do art. 17-A da Lei nº 6.938/81 | Natureza jurídica dos valores cobrados com suporte do artigo 17-A da Lei 6938/1981. |
Portaria nº 19, de 2 de julho de 2019 | Dispõe sobre a emissão de licenças, autorizações, certificados e outros documentos públicos de exportação por meio do Portal Único de Comércio Exterior do Sistema Integrado de Comércio Exterior – Siscomex. |
Portaria nº 8, de 3 de janeiro de 2022, alterada pela Portaria nº 46, de 6 de janeiro de 2022 | Institui no âmbito do Ibama a Plataforma de Anuência Única do Brasil – PAU Brasil para uso nas atividades de comércio exterior envolvendo produtos e subprodutos da biodiversidade. |
Para consultar o site do IBAMA sobre a CITES, clique aqui.
Apesar de todo arcabouço da CITES, o tráfico de animais silvestres ainda persiste devido à complexidade das redes de tráfico envolvidas e à demanda contínua por espécies exóticas. Por isso, é necessário aprimorar as regulamentações para enfrentar o tráfico de animais e plantas silvestres de forma mais abrangente, considerando não apenas as violações da CITES, mas também as leis nacionais de cada país.
Ainda no contexto de iniciativas internacionais contra o tráfico de animais silvestres, separamos 2 exemplos de leis vigentes mundo afora:
Endangered Species Act (ESA – Estados Unidos): essa lei norte-americana visa proteger espécies ameaçadas de extinção e seus habitats. Ela estabelece proteções para peixes, vida selvagem e plantas listadas como ameaçadas ou em perigo; prevê a adição e remoção de espécies da lista de espécies ameaçadas e em perigo, e a preparação e implementação de planos para a sua recuperação; prevê a cooperação interagências para evitar a captura de espécies listadas e para a emissão de licenças para atividades que de outra forma seriam proibidas; prevê a cooperação com os Estados, incluindo a autorização de assistência financeira; e implementa as disposições da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES). Leia mais clicando aqui.
Regulamento (CE) nº 338/97 da União Europeia:
Esse regulamento proíbe ou controla o comércio de espécies listadas em anexos, com restrições específicas para importação, exportação e comércio de animais silvestres na União Europeia. É possível ler o regulamento em português disponível clicando aqui.
Estes são alguns exemplos internacionais, mas como está o nosso cenário nacional, para além do CITES?
Tráfico de animais silvestres no Brasil
Para embasar esse histórico legislativo no Brasil, o livro organizado pela WWF e Freeland-Brasil chamado “Recomendações para o Fortalecimento do Marco Regulatório e Institucional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres.” reúne em uma figura interessante os decretos anteriores a Lei de Crimes Ambientais.
Uma união de decretos entre a defesa da pesca e da caça, formam um conjunto de ações de proteção, para posteriormente uma lei única ser criada.
Retirado do livro Recomendações para o Fortalecimento do Marco Regulatório e Institucional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres.
É uma lei importante e por isso vamos debruçar um pouco sobre ela.
Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998 – Brasil):
No Brasil, a Lei de Crimes Ambientais estabelece sanções penais e administrativas para condutas lesivas ao meio ambiente. O tráfico de animais silvestres é considerado crime ambiental, sujeito a penalidades que incluem detenção e multas.
Abaixo, destacamos três principais disposições desta lei relacionadas ao tráfico de animais silvestres:
- Artigo 29: Configuração do crime contra a fauna, incluindo a proibição de “matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.”
- Artigo 32: Estabelece as penalidades para quem praticar atividades lesivas ao meio ambiente, incluindo a pena de detenção de seis meses a um ano, e multa, para quem “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos.”
- Artigo 33: Trata do comércio ilegal de espécimes da fauna, estipulando pena de detenção de seis meses a um ano, e multa, para quem “vender, expor à venda, exportar ou adquirir, guardar, ter em cativeiro ou depósito, utilizar ou transportar ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.”
Outros aspectos federais que fazem a defesa da fauna incluindo:
Constituição Federal:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Lei n° 6.938, de 1981: Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.
Art. 17. Fica instituído, sob a administração do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis — IBAMA:
Art. 17-L. As ações de licenciamento, registro, autorizações, concessões e permissões relacionadas à fauna, à flora, e ao controle ambiental são de competência exclusiva dos órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente.
Para além das leis federais que já existem, há também muitos outros projetos de lei voltados para a proteção da nossa fauna que estão em tramitação. Destacamos alguns:
O Projeto de Lei 4400/20, propõe o aumento das penalidades para crimes relacionados ao tráfico de animais silvestres no Brasil. A iniciativa busca reforçar as punições para atividades como caça, perseguição e utilização não autorizada de animais silvestres, de modo que os crimes contra a fauna não sejam considerados de menor poder ofensivo, o que tornaria possível a prisão de traficantes. O projeto está em análise na Câmara dos Deputados. Saiba mais.
Mas esta não é a única proposta legislativa pensada na fauna, existem mais de 10 propostas apresentadas no legislativo brasileiro, que datam desde 2004, ou seja propostas existem mas não observamos avanços e interesse político em mudar a legislação.
Mas e o que falta?
Todas as convenções e legislações aqui apresentadas, representam um avanço sólido no combate a essa prática criminosa, porém ainda há muito o que ser feito e aprimorado, visto os números crescentes desta atividade e da demanda em todo o mundo. Muitos países têm fortalecido suas leis e políticas relacionadas à proteção da vida selvagem, impondo penalidades mais severas para aqueles envolvidos no tráfico, mas este é um trabalho de aprimoramento contínuo, que precisa ser combatido além de punição para quem vende, mas com conscientização para reduzir a demanda de quem compra.
Em resumo, o combate ao tráfico de animais silvestres no meio político é uma batalha complexa que exige uma abordagem multifacetada. A implementação e fortalecimento de leis, a cooperação internacional, a educação pública e o uso de tecnologia são aspectos fundamentais para enfrentar esse desafio. É crucial o investimento em programas de educação e conscientização para pessoas de todas as faixas etárias, trazendo luz ao problema e as consequências que podem ser desencadeadas. O Projeto Sou Amigo da Fauna atua principalmente com esse objetivo, conscientizar e capacitar as pessoas para que a demanda diminua e a oferta seja cada vez mais escassa .