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Complete a frase “Como cuidar de um(a) … ?” com o nome de algum animal, doméstico ou selvagem, e há grandes chances de você encontrar algum tutorial em vídeo ou texto na internet com dicas de como preparar o ambiente e a alimentação para tê-lo como pet. Neste texto, tratamos da complexidade, dos desafios subestimados e do porquê não se ter animais silvestres como “pets”, incluindo as consequências em caso de “desistência” dos cuidados desses animais.

 

Posse responsável?

Numa busca rápida sobre animais silvestres tidos como pets (legal ou ilegalmente) no Brasil, não é difícil de se encontrar sugestões de espécies que seriam “ótimas para famílias com crianças” e “fáceis de cuidar”. Esse posicionamento negligente ignora totalmente os comportamentos naturais desses animais, tratando-os como se fossem domésticos e desconsiderando suas necessidades específicas.

 

Papagaios, com sua inteligência e sua capacidade de imitar sons de fala, são “cativantes para se ter como companhia em casa”; ou mesmo Jabutis e Tigres d’água são ótimos para “compor ambientes”, seja em jardins e terrários em casa. Sob esse discurso, o mercado de animais silvestres (lícito ou não) mantém uma demanda de pessoas interessadas em ter animais como esses em suas casas, chácaras e sítios. A maior parte das vezes, essas pessoas têm a ideia equivocada de que apenas amor pelos animais é suficiente, desconsiderando que o melhor para animais silvestres é viver em liberdade em seus habitats naturais.

 

Qualidade de vida em cativeiro?

É comum encontrar animais silvestres tratados como pets com problemas de saúde devido a deficiências nutricionais, causadas por alimentação inadequada, ou mesmo pela falta de atividade e estímulos físicos/cognitivos, gerando estresse, comportamentos estereotipados e perda da qualidade de vida.

 

Segundo dados agrupados no relatório da World Animal Protection (2019), apenas 11% dos donos de aves as levaram a um veterinário, e 90% das aves atendidas com problemas clínicos, têm a má nutrição como causa. Em 1998, estimativas apontavam que metade de todas as aves tidas como “pets” viviam em condições inadequadas, com espaço insuficiente.

 

Papagaios são um clássico exemplo da incompreensão das necessidades dos animais:

  • Sementes de girassol são alimentos extremamente gordurosos que até podem ser ofertados para esses animais, mas numa frequência e quantidade muito baixas. Apesar disso, rotineiramente, encontramos animais obesos e com déficit nutricional por se alimentarem de grande quantidade dessas sementes;
  • Além disso, pelo seu alto grau de inteligência, a interação e estímulos deve sempre estar presente – com atividades de enriquecimento ambiental -, o que, quando não ocorre, gera estresse, que frequentemente observamos em indivíduos com histórico de automutilações. 

 

Foto: Polícia Militar Ambiental

 

Quanto vive um animal silvestre?

O problema de se ter um animal silvestre como pet vai além das questões envolvendo alimentação e comportamento, que por si só são graves em termos de bem-estar animal. Menosprezando as necessidades básicas dos animais silvestres, como já mencionado, outro ponto fundamental que é quase sempre esquecido ou ignorado é o tempo de vida desses animais.


Enquanto animais domésticos como cães e gatos vivem normalmente entre 10 a 20 anos, papagaios vivem, em média, 60 anos, tigres d’água podem viver até 30 anos, e jabutis passam dos 80 anos de idade.

 

Dessa maneira, a posse responsável de um animal como esses deve envolver um planejamento, muitas vezes, praticamente impossível, assumindo a responsabilidade por décadas de cuidados. Considerando essas exigências, torna-se evidente que manter um animal silvestre como pet não é uma opção prudente nem viável.

 

O que ocorre na prática é que, devido a não quererem ou não serem mais capazes de cuidar desses animais, seus tutores “desistem” de cuidá-los, repassando sua responsabilidade para alguém ou soltando/abandonando-os em algum local (práticas que são crimes ambientais).  Isso reflete uma conveniência oportunista de quem, infelizmente, não considerou cuidadosamente que os animais silvestres pertencem à natureza e não devem ser mantidos como pets.

 

Assim, com a falsa esperança de que o animal terá capacidade de sobreviver sozinho, se proteger e buscar alimentos, mesmo tendo vivido a vida inteira sob cuidados humanos, tutores se isentam da responsabilidade que foi assumida quando adquiriram aquele animal. Este não é apenas um problema para o indivíduo, mas também afeta o ambiente, levando a doenças, competição, hibridizações para outros espécimes e causando impactos ambientais.

 

E aqui, caro(a) leitor(a), como reflexão antes de continuarmos: nenhum desses problemas mencionados está ligado apenas à compra ilegal desses animais, oriundos do tráfico. Com ou sem documentação, legal ou ilegalmente, esses animais estão sujeitos a mesma “desistência” em serem cuidados, uma vez que terão as mesmas necessidades ao longo da vida, não importando sua origem. Um animal silvestre sempre será silvestre.

 

A devolução voluntária

Contida na INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 5 DE 13 DE MAIO DE 2021 define-se a “entrega espontânea” como “ato voluntário de entrega de um animal silvestre ao Poder Público realizado por pessoa que mantinha o animal em cativeiro com o intuito de criá-lo como animal de estimação.”

 

Justamente para evitar que sejam deixados para morrer ou soltos de maneira ilegal (tendo prejuízos para si e para o ambiente), animais podem ser devolvidos à tutela do Estado sem que haja responsabilização penal, mesmo sendo de origem ilegal.

 

Essa devolução deve ser feita a um órgão ambiental responsável, seja ele Ibama, Polícia Ambiental ou Centro de Manejo de Fauna Silvestre (Cetras, Cetas ou Cras).

 

E caso você tenha parado para pensar, a resposta é: sim, uma vez entregue à tutela do Estado, a responsabilidade daquele animal é coletivizada, já que financiamos seus cuidados até a soltura ou para sempre (quando a soltura não é possível) através de nossos tributos. Todos pagamos, mas quem acaba sofrendo as consequências são os próprios animais.

 

A solução então é retirar essa opção de pauta? O tutor tem de assumir a responsabilidade, inclusive financeira, sobre sua decisão de ter um animal e arcar com as consequências? 

É exatamente por esse tipo de questionamento que Políticas Públicas são tão complexas em sua formulação e na tomada de decisão. Explicamos:

O raciocínio das questões acima é intuitivo e tem lógica, mas com olhar mais amplo, podemos ver uma perspectiva menos imediata. Se, a partir deste momento, tutores fossem impossibilitados de entregar voluntariamente animais silvestres sob sua posse, grande parte desses tutores tomariam a decisão de abandoná-los até morrerem ou soltá-los na natureza. 

 

Desse modo, além do prejuízo que haveria para o próprio animal, sua soltura poderia impactar diretamente o ambiente, com dispersão de espécies exóticas para determinado local, podendo se tornar invasoras, ou até a transmissão de doenças desses indivíduos soltos para a fauna nativa, gerando custos ambientais e, por consequência, financeiros.

 

Assim, como Política Pública, é menos eficiente e mais custoso proibir a devolução voluntária desses animais do que permiti-la e incentivá-la. E também não é viável cobrar taxas ou multas de quem realiza essa devolução, pois apenas segregaria quais classes sociais poderiam fazer a devolução e quais teriam que resolver por conta própria, retornando ao mesmo problema da proibição.

 

De acordo com os dados apresentados no evento Avistar, pelo presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, no período de 2020 a 2024, 271.430 animais silvestres deram entrada no Programa Cetas Brasil. Desse total, 20% (53.510) foram por entrega voluntária. Esses números refletem um problema adicional decorrente da “solução” da entrega ou da irresponsabilidade na aquisição de animais silvestres como pets: a superlotação dos centros que recebem esses animais, que frequentemente possuem a realidade de recursos limitados e espaços reduzidos.

 

Há soluções então?

A primeira e fundamental é lembrar que animal silvestre não é pet! Se você ama a fauna, aprecie-a na natureza, em seu habitat natural.

Apesar do panorama difícil, penso que se não acreditássemos ser possível chegar a soluções, nem você nem eu teríamos seguido até o fim deste texto. Vemos que a problemática levantada não é de simples, nem rápida resolução. Mudanças de percepção e atitude levam às vezes tempo para acontecer. A realidade de ter um animal silvestre como pet é desconhecida por muitos. 

 

Por isso, parte da solução se baseia na institucionalização de campanhas de conscientização e sensibilização sobre animais silvestres não serem pets. Necessitamos mostrar a incompatibilidade de tentar domesticar um animal silvestre, que possui um processo evolutivo específico e necessita de condições ambientais e interações com outros seres vivos que não podem ser reproduzidas em cativeiro, frequentemente resultando em sofrimento animal, entre outras consequências.  Bem como, a dificuldade em fornecer todas as condições necessárias para tutelar um animal, em vez de tratá-los como meros produtos descartáveis passíveis de devolução. 

 

A educação ambiental, neste ponto, é fundamental para estabelecer o raciocínio de que a fauna silvestre possui sua beleza a ser aproveitada em vida livre, e não dentro de casa.

 

E claro, o Projeto Sou Amigo da Fauna, que desenvolve atividades escolares, ministra palestras e cursos de capacitação para universidades e empresas, promovendo o conhecimento sobre a importância da conservação da fauna silvestre, sensibilizando jovens e adultos, fornecendo ferramentas necessárias para que estudantes e profissionais possam atuar de maneira eficaz na luta contra o tráfico de animais. 

 

Entre em contato conosco por meio do e-mail contato@souamigodafauna.com.br. 

 

Seja um Amigo da Fauna e vamos juntos no combate ao tráfico de animais! #AnimalSilvestreNãoÉPet